"Quem viaja pela Transamazônica tem a impressão de
trafegar sobre um esboço de estrada. O asfalto só existe em trechos
esparsos e a sinalização é um luxo inexistente. Nos seis
meses do verão amazônico, a falta de chuvas ajuda a secar os atoleiros
e o tráfego flui em meio a grossas nuvens de poeira. Centenas de tratores
ocupam-se de efetuar reparos em vários pontos. É um ritual que
se repete há décadas no período da seca. Nos seis meses
seguintes, quando a chuva não dá trégua, a natureza e o
tráfego de caminhões se encarregam de destruir o pouco que foi
consertado.
A Transamazônica tem mais de 4 000 quilômetros
de extensão. Se tivesse sido aberta na Europa, cruzaria o continente
de Lisboa a Moscou. O projeto original previa a fronteira com o Peru como ponto
final, mas o último trecho nunca foi construído. A parte nordestina,
com cerca de 2 000 quilômetros, é asfaltada e pode ser usada
durante todo o ano.
A estrada que atravessa a maior floresta tropical do planeta permite
uma visão dolorosa das mazelas do Norte brasileiro.
No trecho dentro
da Amazônia Legal vive 1,2 milhão de pessoas, das quais 66% não
têm água encanada e 27% não têm instalações
sanitárias. O índice de analfabetismo é o dobro da média
nacional. A parte mais próspera é no Pará, onde a floresta
derrubada foi substituída por pastagens, fazendolas, vilas e cidades
que vivem em função da rodovia. A produtividade das plantações
de cacau é a mais alta do país. Mas a distância e a precariedade
da estrada tornam o frete cinco vezes mais caro que o do cacau da Bahia, o maior
produtor nacional.
A Transamazônica foi uma das três maiores obras
de infraestrutura projetadas pelo regime militar na década de 70, ao
lado da Usina de Itaipu e da Ponte Rio-Niterói. Naquele tempo, ninguém
achava má ideia ocupar a Amazônia com os agricultores malsucedidos
de outras regiões, sobretudo nordestinos flagelados pela seca. Nunca
houve um estudo de viabilidade econômica ou de impacto ambiental para
justificar a construção da rodovia e a colonização
de seu entorno." (Revista Veja - Setembro de 2009)
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