Quando minha família mudou de Poxoréo para Cuiabá nos anos 60, nós fomos morar numa casa em frente da praça da Igreja Boa Morte. Naquela época a rua Batista das Neves, onde nós morávamos, a rua Cândido Mariano, Campo Grande e outras eram repletas de famílias tradicionais cuiabanas.
A família que criou minha mãe era tradicional de nome e sobrenome e morava na rua Cândido Mariano.As casas, algumas ainda existem com beiras e frisos, eram enormes ou medianas; com quintais ou não. Mas, para todas as crianças e éramos muitas, nada se comparava a praça da Igreja.
Ao entardecer nos reuniamos para brincar, pois não havia muitos televisores, ou ouvir histórias de terror. Ali na praça durante as brincadeiras não existia crianças ricas ou pobres, apenas a alegria de poder correr, pular, gritar, se divertir antes de dormir.
A contadora de histórias, nós a chamavámos de Preta, sabia como manter o suspense e despertar o medo em todos. Minha casa ficava apenas uma casa da dela, mas eu sentia tanto medo que a mãe precisava ir nos buscar para entrar.
A Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte é centenária. As árvores, oitis, frondosas da praça devem ter a idade da Igreja eu acredito. Ela pertencia a uma Irmandade de homens pardos que responsabilizaou-se por sua construção, provavelmente no inicio dos anos 800.
A documentação histórica diz que a Igreja possuía uma única torre em forma piramidal, um único telhado em duas águas e arquitetura barroca. Em 1864, o altar - mor foi concluído por meio de esmolas colhidas pela Irmandade.
Em algum período a primitiva torre ruiu e me lembro de numa entrevista que fiz com D. Maria de Arruda Muller, ela disse que seu pai pediu autorização ao bispo para retirar a terra para construção de sua residência. Sobre o casarão dos Muller escreverei em outra oportunidade.
Deste modo a fachada que hoje esta apresenta, de estilo neoclássico, indica a substituição da fachada frontal sem que fossem remodelados seus interiores e o resto do corpo da Igreja continua em estilo barroco.
Eu não me lembro a data exata, mas foi construída uma piscina em frente da Igreja. Logicamente que ninguém tomava banho nela, porém eu adorava ficar olhando a ondulação que água fazia quando o vento soprava... Em algum momento ela foi entupida, acho que foi quando os viciados passaram a frequentar a
praça.
Por não ser católica, devo ter entrado na Igreja duas ou três vezes. Entretanto, a arquitetura barroca do interior é sempre fascinante. E quando passo por lá, ainda ouço nossos gritos, risos e medo das histórias de terror. Afinal, o Cemitério da Piedade ficava na mesma rua.
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