Cecília Meireles
A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.
Há bosques de rododendros que eram verdes e
já estão todos cor-de-rosa, como os
palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a
ensaiar as árias tradicionais
de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas
apressam-se pelos ares, — e
certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.
Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.
Enquanto há primavera, esta primavera
natural, prestemos atenção ao sussurro dos
passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul.
Escutemos estas vozes que andam nas
árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam
seus sentimentos antigos:
lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e
a eufórbia se vai tornando
pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra.
Tudo isto para brilhar
um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por
fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da
eternidade. Saudemos a
primavera, dona da vida — e efêmera.
Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1".
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