Domingo quente com jeito de verão, muita fumaça e poeira e tristeza pela morte de um dos artistas mais completos do Brasil. Jô Soares fez história na televisão brasileira, participando de atrações como “A família Trapo” (1966), TV Record, “Planeta dos homens” (1977), TV Globo, e “Viva o Gordo” (1981), TV Globo. Ele atuou como diretor, humorista, ator e até como comentarista esportivo da Fox Sports na Copa do Mundo da Rússia, 2018.
Além disso, Jô Soares escreveu 10 livros. “O Xangô de Baker Street”, de 1995, e “O Homem que Matou Getúlio Vargas”, de 1998, são suas obras mais populares.
Mas muitos lembram mesmo de seus programas de entrevistas, inspirados nos late shows dos Estados Unidos. “Jô Soares Onze e Meia” levou prestígio para a emissora de Silvio Santos, entrevistando as mais diferentes figuras de todas as vertentes, desde anônimos a políticos. O programa teve início em 1987 e só terminou em 1999. No ano seguinte, ele levou o formato para a TV Globo, com o “Programa do Jô”, que ficou no ar até 2016.
''Jô Soares, falecido na madrugada desta sexta-feira, 5, aos 84 anos, escreveu uma série de cartas abertas a Jair Bolsonarodesde que esse assumiu a presidência da República. Em seus escritos, Jô ironizava as gafes cometidas pelo presidente.
Em uma de suas cartas abertas em crítica aos comportamentos e falas de Bolsonaro, Jô ironizou a ignorância do presidente com relação ao nazismo, já que ele teria afirmado que a ideologia é de esquerda.
Na carta publicada em 12 de abril de 2019, Jô compara a afirmação do presidente com sua confusão entre os filósofos Kierkegaard e Wittgenstein, além de ironizar o uso da palavra "social" explanando com humor a possível associação à esquerda. Jô também fez a sátira com os significados literais de algumas outras palavras.
Carta aberta
Confira abaixo a carta aberta de Jô Soares à Jair Bolsonaro divulgada pela Folha de S.Paulo.
"Caro presidente Jair Bolsonaro. Entendo a reação provocada quando o senhor afirmou que o nazismo era de esquerda. Isso se deve ao fato de que, depois da Primeira Guerra Mundial, vários pequenos grupos se formaram, à direita e à esquerda.
Um desses grupos foi o NSDAP —em alemão, sigla do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Entre seus fundadores originais havia dois irmãos: Otto e Gregor Strasser. Otto era um socialista convicto, queria orientar o movimento do partido à esquerda. Foi expulso e a cabeça posta a prêmio.
Seu irmão Gregor preferiu unir-se ao grupo do Camelô do Apocalipse. Quanto a Otto, que não concordava com essa vertente, nem com as teorias racistas, teve sua cabeça posta a prêmio por Joseph Goebbels pela quantia de US$ 500 mil. Foi obrigado a fugir para o exílio, só conseguindo voltar à Alemanha anos depois do final da guerra. Hitler apressou-se em tirar o ‘social’ da sigla do partido. Mais tarde, Gregor foi eliminado junto com Ernst Röhm, chefe das S.A., na famigerada ‘Noite das Facas Longas’.
Devo lhe confessar que também já fui alvo de chacota, mas por um motivo totalmente diferente: só peço que não deboche muito de mim.
Imagine o senhor que confundi o dinamarquês Søren Aabye Kierkegaard, filósofo, teólogo, poeta, crítico social e autor religioso, e amplamente considerado o primeiro filósofo existencialista, com o filósofo Ludwig Wittgenstein, que, como o senhor está farto de saber, foi um filósofo austríaco, naturalizado britânico e um dos principais autores da virada linguística na filosofia do século 20.
Finalmente, um conselho: não se deixe influenciar por certas palavras. Seguem alguns exemplos:Quando chegar a um prédio e o levarem para o elevador social, entre sem receio. Isso não fará do senhor um trotskista fanático;
A expressão ‘no pasarán!’, utilizada por Dolores Ibárruri Gómez, conhecida como ‘La Pasionaria’, não era uma convocação feminista para que as mulheres deixassem de passar as roupas dos seus maridos;
‘Social climber’ não se refere a uma alpinista de esquerda;
Rosa Luxemburgo não era assim chamada porque só vendia rosas vermelhas;
Picasso: não usou o partido para divulgar seus gigantescos atributos físicos;
Quanto à palavra ‘social’, ela consta até no seu partido.
Finalmente, adoraria convidá-lo para assistir ao meu espetáculo.
Foi quando surgiu um dilema impossível de resolver. Claro que eu o colocaria na plateia à direita. Assim, o senhor, à direita, me veria no palco à direita. Só que, do meu lugar no palco, eu seria obrigado a vê-lo sempre à esquerda.
Espero que minha despretensiosa missiva lhe sirva de alguma utilidade.
Convicto de ter feito o melhor possível, subscrevo-me."
Jô Soares''
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