quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Livro Pano, Pau e Pão - Escravos no Brasil Colônia

Hoje, é comemorado o "Dia da Consciência Negra". O objetivo do Dia da Consciência Negra é fazer uma reflexão sobre a importância do povo e da cultura africana no Brasil. Também serve para analisarmos o impacto que tiveram no desenvolvimento da identidade cultural brasileira.


E quanto mais se souber sobre os 300 anos da escravidão no Brasil, mais reflexões irão surgir, é por isso que recomendo a leitura do novo livro da Historiadora Ana Carolina de C. Viotti sobre o cotidiano do negro escravo na Colônia brasileira.
 

"Os regulamentos e mecanismos legais, religiosos e sociais para a manutenção de escravizados no Brasil, que foi solo para a mais longeva e volumosa escravidão de africanos e seus descendentes do Ocidente, é tema do livro Pano, Pau e Pão -- Escravos no Brasil Colônia, da historiadora Ana Carolina de Carvalho Viotti, um lançamento da Editora Unifesp.

Resultado de uma pesquisa de quase cinco anos em documentos de arquivos históricos no Brasil, Portugal e Inglaterra, a obra detalha como os corpos dos escravos eram tratados por seus senhores no Brasil durante o período em que a escravidão se consolidou na colônia portuguesa ao longo dos séculos 16, 17 e 18.

“Minhas pesquisas mostraram que, embora houvesse ‘excessos’ no trato do escravizado para o padrão então estabelecido, esse não era um terreno do arbítrio. Essa prática tão duradoura fez-se entremeada ao cotidiano, mostrando-se estável e, sobretudo, bastante regrada”, explica Ana Carolina.

A historiadora organizou sua análise em três partes que estão explicitadas no título do livro e seguem a máxima dos “três Ps” descrita pelo padre jesuíta André João Antonil na obra Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas. “Pano” representa o vestir; “Pau”, os castigos físicos e “Pão”, o alimento, corporal e espiritual. O livro, inclui, ainda, uma relação de 24 imagens que revelam particularidades do cotidiano do trabalho escravo no país.

Na primeira parte, intitulada “Pano”, Ana Carolina aborda não apenas as indicações sobre como os negros deveriam cobrir as partes íntimas e os juízos feitos àqueles que permitiam aos seus escravos andarem desnudos, mas também revela uma prática menos conhecida dos donos de escravos que, muitas vezes, vestiam os cativos com roupas suntuosas, como se fossem um produto com valor agregado.

O fato gerou, inclusive, o estabelecimento de medidas regulatórias pela Coroa Portuguesa. “Uma das formas de o proprietário de escravos enfatizar e publicizar sua prosperidade rezava em fazer-se acompanhar por mucamas e librés adornados em trajes de cetim, joias e outras teteias”, destaca a autora no capítulo intitulado Vaidades vistosas e pecados desnudos.

Já na parte denominada “Pau” consta tanto as descrições sobre os castigos físicos quanto à necessidade explicitada de que estes respeitassem as leis dos homens e as leis de Deus, sendo aplicados em momentos tidos como necessários, de forma parcimoniosa e, de acordo com a crença de então, justa.

“É claro que encontramos relatos sobre desvios a essas regras e de senhores de escravos extremamente cruéis -- muitas vezes seguidos de punição para os desviantes --, mas o conjunto de leis e prescrições morais sobre o trato indicam que havia pactos estabelecidos sobre o que era e o que não era permitido ao senhor em relação ao escravizado”, explica Ana Carolina.

“Isso não quer dizer, e acho muito importante sublinhar, que eu afirme em qualquer momento que o cativeiro de africanos tenha sido ‘brando’, ‘melhor’ ou ‘bom’ no Brasil: falamos aqui de um tipo de relação que, ainda que normatizada e regulamentada, é pautada em um desequilíbrio de forças”, acrescenta a historiadora.

Nomeada de “Pão”, a terceira e última parte trata do alimento físico e do “espiritual”, considerado indispensável em uma sociedade católica como foi o Brasil colonial. Ao tratar da alimentação a autora desfaz uma crença do senso comum: a de que a feijoada era um prato comum nas senzalas, resultado do aproveitamento de partes do porco desprezadas pela cozinha da casa-grande. Ana Carolina explica que, na verdade, os escravos tinham uma rotina alimentar baseada em outros recursos.

Dependendo da região, eles se alimentavam basicamente de angus feitos com farinha de mandioca ou de milho, feijões, frutas ou legumes, resultantes de coletas ou de pequenas roças mantidas por eles, e que carnes eram raramente consumidas. Segundo a historiadora, os ingredientes considerados como “sobras” dos porcos (pés, orelhas, rabo) na verdade faziam parte da dieta dos senhores de escravos e dificilmente eram dispensados no Brasil colonial. “O cozimento do feijão com essas partes do porco só seria associado a uma comida mais simples ou rústica posteriormente”, explica."

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