Profª Claudia N. Sousa - Especialista em História do Brasil
No Brasil, quando se fala em
criança, todos se lembram da criança branquinha, cabelos encaracolados
alourados, olhos negros, castanhos ou claros, gordinhas e alegres. Ninguém se
lembra da criança negra. O padrão de beleza em nossa sociedade é tipicamente
branco.
Não é corrente em um ambiente negro, admirar-se a beleza das crianças negras,
índias ou de outra minoria qualquer. “Elas são engraçadinhas”, diz a grande
maioria da população branca.
E quando um homem branco se casa
com uma mulher negra e nasce um filho de pele branca, com o cabelo “pixaim” é
identificado como o filho da mulher negra. A sociedade não descuida da
atualização do estigma da negritude.
Em quase trezentos anos de
cativeiro, a mulher negra teve como tarefa primordial, além dos afazeres
domésticos, reproduzir filhos fortes e sadios que iriam trabalhar nas lavouras
mais tarde. E quanto mais braços fortes, melhor.
Em certas fazendas havia seleção
de negros fortes e sadios que alçados a condição de excelentes reprodutores,
deveriam gerar descendentes transmitindo-lhes seus atributos físicos. A
história não diz se essa experiência deu certo, mas na 2ª Guerra Mundial,
1938-1945, Adolf Hitler tentou assegurar a predominância da raça ariana no
mundo, usando mesmos métodos similares, sem muito sucesso.
Independente de
serem programados ou não, os filhos de escravos continuaram nascendo nas
senzalas, sem perspectivas de um dia nascerem livres.
As propagandas abolicionistas
agitavam os dias na Corte portuguesa: “liberdade para os escravos”, clamavam os
poetas e políticos do Partido Liberal. Se parte significativa da população
almejava essa liberdade, a elite dominante ficou alarmada. Como latifundiários
e tendo sob seu controle milhões de escravos negros, temiam ter grande prejuízo,
se houvesse abolição no país.
Para piorar a situação de
insegurança dos fazendeiros, a
Inglaterra pressionava o Imperador para colocar fim ao tráfico negreiro.
A Revolução Industrial estava se espalhando pelo mundo e a modernização
começava a chegar nas lavouras. Uma máquina faria o trabalho de muitos
escravos, não sendo necessário ir busca-los na África.
Logicamente que a Inglaterra agia com sutileza
e os abolicionistas interpretaram esse “interesse” como um apoio aos seus ideais.
Novos panfletos foram colocados nas ruas e em 1850 é baixada a Lei de Extinção
do Tráfico Negreiro. Como aqui tudo permanece no papel, o contrabando do negro
entre as regiões prosseguiu normalmente por alguns anos.
Animados pelas mudanças, os
abolicionistas investiram em novos projetos. A abolição não poderia acontecer
de uma hora para outra, pois, iria desestruturar a economia nacional. E
protelando sempre, o Governo assina em 1871 a Lei do Ventre Livre. Os filhos de
escravos a partir daquela data seriam livres.
Esta Lei significou mais uma
“jogada” da classe dominante, libertando-se os recém-nascidos surgia a chance
de as escravas engravidarem sem problemas, Existiram casos em que as mães
abortaram seus filhos para não vê-los escravos. Por outro lado, qual a mãe que
a abandonaria seu filho pequeno? Os mesmos acabariam permanecendo na fazenda ao
lado da mãe, e os senhores sairiam lucrando novamente. No papel a vigência da
Lei era claramente assegurada, mas na prática a realidade era outra.
Cento e vinte e cinco anos se passaram e a
situação do negro não mudou muito. As crianças negras continuam nascendo
livres, mas acorrentadas a um preconceito que o tempo não apaga: a cor de sua
pele.
Em 1871 foram declarados livres,
mas livres para fazer o quê? Para poderem brincar como as crianças brancas?
Para poderem ser educadas por um professor de Matemática, Ciências, Estudos
Sociais e Línguas? Para poderem cultuar o Santo de sua devoção?.
Liberdade pressupõe o direito de ir
e vir, de expressar seu pensamento, onde e quando for necessário. A criança, ao
deixar o ventre de sua mãe, alcança sua liberdade; ela pode rir, chorar,
brincar, correr sem peias.
A criança negra e a branca ao nascer
não são iguais, ambas não merecem a mesma atenção durante nove meses de
gestação. A sociedade prescreve condições diferentes para umas e outras.
De 0 a 7 anos a Liberdade não é Branca nem Negra. O amor da mãe e do grupo familiar
não distingue cor da pele, raça ou classe, o mesmo com a liberdade.
A criança ainda não internalizou os
padrões raciais. Quando juntas, preocupam-se única e exclusivamente em brincar.
Mas, chegam os país e impõem normas. São os adultos que estabelecem regras
sociais e morais para as crianças.
“Você não pode brincar com aquele
negrinho”. Mas, se o amiguinho negro agrada a criança, então elas fogem da
vigilância materna e vão se encontrar na rua. Ambas brincam na terra, de bola, etc. Não existe na cabeça dela, que o branco e
o negro não podem divertir-se em companhia um do outro.
Os argumentos discriminatórios dos
pais são convincentes, e aos poucos a
criança sente-se melhor e mais qualificada que as negras. E aquela “igualdade”
vivida dá lugar a uma desigualdade
pensada. É difícil encontrar, em grupos de brinquedos envolvendo crianças
negras e brancas, um líder negro. Antes, quando não conheciam as regras do jogo
racial, a palavra negro poderia ser ouvida, agora não. Onde a agilidade física
é requisitada, como o futebol e a corrida, o negro passa a ser escolhido para
representa-los. Renova-se o mito do negro bom de bola!.
Mas, em esportes mais sofisticados
como o tênis, equitação, vôlei o branco é o bom, pois os negros não podem praticá-los
por falta de uma condição financeira adequada.
Quando tinham a chance de brincar na
rua igualmente, as crianças utilizavam-se de qualquer coisa pra se divertirem.
Uma meia virava bola; um pedaço de cabo de vassoura um cavalo; uma manga (fruta)
com alguns palitos virava boi; um papelão descendo uma elevação
transformava-se num tobogã.
O
branco, mesmo com seus brinquedos caros, preferiam a simplicidade dos
brinquedos inventados pelos negros.
E para colaborar com o preconceito
contra o negro, os fabricantes passaram a inventar brinquedos que uma mãe negra
jamais poderiam comprar para seu filho. Das fascinantes bicicletas aos
carrinhos eletrônicos; dos vídeos games aos celulares, a liberdade de brincar
nas praças e calçadas foi substituída pela prisão que o consumismo provoca.
A Lei Áurea deu liberdade aos
escravos negros; todos são livres perante a Lei. Livres para sonharem com
presentes impossíveis; livres para brincarem nas poças d’água e se contaminarem
com várias doenças; livres para serem taxados de marginais; livres para serem
objetos de gozações e chateações.
Enquanto as crianças em sua liberdade
são tolhidas, a sociedade branca que as gerou agrava mais a situação. Mantidas
em creches, vigiadas por babás aos poucos vão se tornando autômatas,
insensíveis, preconceituosas.
A liberdade é inerente ao ser humano.
Brancos e negros são diferentes apenas na cor, pois, não existe ciência capaz
de demonstrar o contrário.
Segundo os psicólogos, é na infância
que a personalidade da criança se moda. E são os pais que lhes incutem na
mente, que o negro é diferente, é inferior ao branco, é sujo e coisas mais. E
com tantos preconceitos, a liberdade de poderem juntos estar em muitas famílias
fica comprometida. A criança negra acompanha tudo com perplexidade nos olhos e
um desejo contido no coração.
Parabéns pelo post!!!
ResponderExcluirfantástica!!!!
adorei!
ResponderExcluirParabéns!!!