quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A Liberdade não é Branca e nem Negra


   Profª  Claudia N. Sousa - Especialista em História do Brasil
                 No Brasil, quando se fala em criança, todos se lembram da criança branquinha, cabelos encaracolados alourados, olhos negros, castanhos ou claros, gordinhas e alegres. Ninguém se lembra da criança negra. O padrão de beleza em nossa sociedade é tipicamente branco.
             Não é corrente em  um ambiente negro,  admirar-se a beleza das crianças negras, índias ou de outra minoria qualquer. “Elas são engraçadinhas”, diz a grande maioria da população branca.
              E quando um homem branco se casa com uma mulher negra e nasce um filho de pele branca, com o cabelo “pixaim” é identificado como o filho da mulher negra. A sociedade não descuida da atualização do estigma da negritude.
              Em quase trezentos anos de cativeiro, a mulher negra teve como tarefa primordial, além dos afazeres domésticos, reproduzir filhos fortes e sadios que iriam trabalhar nas lavouras mais tarde. E quanto mais braços fortes, melhor.
             Em certas fazendas havia seleção de negros fortes e sadios que alçados a condição de excelentes reprodutores, deveriam gerar descendentes transmitindo-lhes seus atributos físicos. A história não diz se essa experiência deu certo, mas na 2ª Guerra Mundial, 1938-1945, Adolf Hitler tentou assegurar a predominância da raça ariana no mundo, usando mesmos métodos similares, sem muito sucesso.
             Independente de serem programados ou não, os filhos de escravos continuaram nascendo nas senzalas, sem perspectivas de um dia nascerem livres.
             As propagandas abolicionistas agitavam os dias na Corte portuguesa: “liberdade para os escravos”, clamavam os poetas e políticos do Partido Liberal. Se parte significativa da população almejava essa liberdade, a elite dominante ficou alarmada. Como latifundiários e tendo sob seu controle milhões de escravos negros, temiam ter grande prejuízo, se houvesse abolição no país.
             Para piorar a situação de insegurança dos fazendeiros, a  Inglaterra pressionava o Imperador para colocar fim ao tráfico negreiro. A Revolução Industrial estava se espalhando pelo mundo e a modernização começava a chegar nas lavouras. Uma máquina faria o trabalho de muitos escravos, não sendo necessário ir busca-los na África.
             Logicamente que a Inglaterra agia com sutileza e os abolicionistas interpretaram esse “interesse” como um apoio aos seus ideais. Novos panfletos foram colocados nas ruas e em 1850 é baixada a Lei de Extinção do Tráfico Negreiro. Como aqui tudo permanece no papel, o contrabando do negro entre as regiões prosseguiu normalmente por alguns anos.
             Animados pelas mudanças, os abolicionistas investiram em novos projetos. A abolição não poderia acontecer de uma hora para outra, pois, iria desestruturar a economia nacional. E protelando sempre, o Governo assina em 1871 a Lei do Ventre Livre. Os filhos de escravos a partir daquela data seriam livres.
             Esta Lei significou mais uma “jogada” da classe dominante, libertando-se os recém-nascidos surgia a chance de as escravas engravidarem sem problemas, Existiram casos em que as mães abortaram seus filhos para não vê-los escravos. Por outro lado, qual a mãe que a abandonaria seu filho pequeno? Os mesmos acabariam permanecendo na fazenda ao lado da mãe, e os senhores sairiam lucrando novamente. No papel a vigência da Lei era claramente assegurada, mas na prática a realidade era outra.
             Cento e vinte e cinco anos se passaram e a situação do negro não mudou muito. As crianças negras continuam nascendo livres, mas acorrentadas a um preconceito que o tempo não apaga: a cor de sua pele.
            Em 1871 foram declarados livres, mas livres para fazer o quê? Para poderem brincar como as crianças brancas? Para poderem ser educadas por um professor de Matemática, Ciências, Estudos Sociais e Línguas? Para poderem cultuar o Santo de sua devoção?.
            Liberdade pressupõe o direito de ir e vir, de expressar seu pensamento, onde e quando for necessário. A criança, ao deixar o ventre de sua mãe, alcança sua liberdade; ela pode rir, chorar, brincar, correr sem peias.
           A criança negra e a branca ao nascer não são iguais, ambas não merecem a mesma atenção durante nove meses de gestação. A sociedade prescreve condições diferentes para umas e outras.
           De 0 a 7 anos a Liberdade não é Branca nem Negra. O amor da mãe e do grupo familiar não distingue cor da pele, raça ou classe, o mesmo com a liberdade.


            A criança  ainda não internalizou os padrões raciais. Quando juntas, preocupam-se única e exclusivamente em brincar. Mas, chegam os país e impõem normas. São os adultos que estabelecem regras sociais e morais para as crianças.   
          “Você não pode brincar com aquele negrinho”. Mas, se o amiguinho negro agrada a criança, então elas fogem da vigilância materna e vão se encontrar na rua. Ambas brincam na terra, de bola,  etc. Não existe na cabeça dela, que o branco e o negro não podem divertir-se em companhia um do outro.
          Os argumentos discriminatórios dos pais são convincentes,  e aos poucos a criança sente-se melhor e mais qualificada que as negras. E aquela “igualdade” vivida  dá lugar a uma desigualdade pensada. É difícil encontrar, em grupos de brinquedos envolvendo crianças negras e brancas, um líder negro. Antes, quando não conheciam as regras do jogo racial, a palavra negro poderia ser ouvida, agora não. Onde a agilidade física é requisitada, como o futebol e a corrida, o negro passa a ser escolhido para representa-los. Renova-se o mito do negro bom de bola!.
          Mas, em esportes mais sofisticados como o tênis, equitação, vôlei o branco é o bom, pois os negros não podem praticá-los por falta de uma condição financeira adequada.
         Quando tinham a chance de brincar na rua igualmente, as crianças utilizavam-se de qualquer coisa pra se divertirem. Uma meia virava bola; um pedaço de cabo de vassoura um cavalo; uma manga (fruta) com alguns palitos virava boi; um papelão descendo uma elevação transformava-se  num tobogã.
O branco, mesmo com seus brinquedos caros, preferiam a simplicidade dos brinquedos inventados pelos negros.
          E para colaborar com o preconceito contra o negro, os fabricantes passaram a inventar brinquedos que uma mãe negra jamais poderiam comprar para seu filho. Das fascinantes bicicletas aos carrinhos eletrônicos; dos vídeos games aos celulares, a liberdade de brincar nas praças e calçadas foi substituída pela prisão que o consumismo provoca.
          A Lei Áurea deu liberdade aos escravos negros; todos são livres perante a Lei. Livres para sonharem com presentes impossíveis; livres para brincarem nas poças d’água e se contaminarem com várias doenças; livres para serem taxados de marginais; livres para serem objetos de gozações e chateações.
          Enquanto as crianças em sua liberdade são tolhidas, a sociedade branca que as gerou agrava mais a situação. Mantidas em creches, vigiadas por babás aos poucos vão se tornando autômatas, insensíveis, preconceituosas.
        A liberdade é inerente ao ser humano. Brancos e negros são diferentes apenas na cor, pois, não existe ciência capaz de demonstrar o contrário.
        Segundo os psicólogos, é na infância que a personalidade da criança se moda. E são os pais que lhes incutem na mente, que o negro é diferente, é inferior ao branco, é sujo e coisas mais. E com tantos preconceitos, a liberdade de poderem juntos estar em muitas famílias fica comprometida. A criança negra acompanha tudo com perplexidade nos olhos e um desejo contido no coração.
        

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