quarta-feira, 26 de junho de 2019

As Mulheres Brasileira e a História do Futebol

Neste ano, pela 1ª vez, quatro canais nacionais possuem o direito de transmissão ao vivo da competição  feminina de futebol. Desde o dia 7/6, na TV a cabo, todos os jogos serão transmitidos pelos canais SporTV e Band Sports. Na TV aberta, as emissoras como a TV Globo exibirão apenas os jogos do Brasil. 

Mesmo perdendo nas oitavas de final para a equipe francesa, as "meninas do Brasil" mostraram porque a melhor jogadora do mundo é um exemplo de garra, liderança e determinação. O desabafo de Marta ao final do jogo levou-nos as lágrimas, mas deixou claro que o Brasil precisa deixar o preconceito de lado e investir nas mulheres que vestem uma camisa em nome da Nação!.

"Num passado até bem recente - mais exatamente, há 40 anos - o futebol, no Brasil, ainda era considerado, por decreto, uma prática inapropriada para mulheres.

Assinado por Getúlio Vargas em 14 de abril de 1941, durante a ditadura do Estado Novo, o artigo 54 do decreto-lei 3.199, afirmava que ”às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”.

Com o argumento de que a prática feria a chamada “natureza feminina”, Vargas autorizou a proibição que, de 1941 até 1979, eliminou qualquer chance de atletas mulheres se profissionalizarem na modalidade, além de criminalizar o esporte para elas.

″É reiterado na década de 1960 a ideia de que essa ‘natureza feminina’ é ser mãe. Isso é muito forte no discurso do Vargas: essa ideia da mulher como alguém que deve cuidar da família, que deve gerar os ‘filhos fortes da nação’”, explica a historiadora Giovana Capucim e Silva, autora do livro Mulheres Impedidas: A proibição do futebol feminino na imprensa de São Paulo.

A historiadora explica que o decreto de Vargas não especificava quais esportes eram proibidos para as mulheres. Porém, o futebol ― já bastante popular no Brasil nas décadas de 30 e 40 ― foi lido como um espaço masculino por ser considerado de contato e violento, algo que não era aceito para uma mulher.

“As mulheres são associadas com o que é belo, feminino, maternal, delicado. E nenhum desses adjetivos tem a ver com esporte”, diz Silva. “O ideal que se tem de esporte, de atleta, e o ideal que se tem de mulher são ideais que se confrontam, que não se encaixam de modo algum.”

Mas Silva constatou em sua pesquisa que, mesmo com a proibição do esporte no País, as mulheres nunca pararam de jogar futebol. Segundo a historiadora da USP, elas sempre desafiaram a “essência feminina” idealizada por Vargas.

“Elas jogavam, principalmente, em campos de várzea e em locais em que o Estado não chega, como as periferias. Isso é muito importante destacar. Essa resistência estatal, na verdade, era o menor obstáculo que elas encontravam”, aponta a historiadora, que avalia que o decreto tinha uma função moral. “Olhares de vizinhos ou de familiares, por exemplo, pesavam muito mais.”

A pesquisadora afirma que, à época, no interior de estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, mulheres tinham o costume de se reunir de forma clandestina para jogar, até o momento em que alguém, incomodado com a mobilização, evocava o decreto e o jogo terminava.
Até 1964, ano em que se instaura a ditadura militar no Brasil, as mulheres jogavam futebol sob esta pressão moralista e reguladora. Porém, em 1965, o governo militar tornou a proibição expressa e incluiu nominalmente esportes considerados inadequados para mulheres na legislação.

Entre eles: futebol, polo aquático, halterofilismo e beisebol. Nesta época de proibição mais severa, há registros em jornais de mulheres que foram presas, segundo as pesquisadoras. A proibição se justificava com o argumento de que práticas de esportes de contato não era compatíveis com o corpo da mulher.
“Elas eram ridicularizadas, diminuídas. Dentro dessa lógica, começaram a surgir argumentos médicos para comprovar essa ideia, inclusive dizendo que as mulheres não poderiam jogar por que poderiam levar cotoveladas no útero ou nos seios, que ficariam inférteis e não poderiam amamentar”, conta Bonfim.

Em outros países, como Inglaterra e Alemanha, também houve proibições até a década de 70, quando foi criada a Federação Internacional do Futebol Feminino.

Mais tarde, no Brasil, após quatro décadas de impedimento, em 1979, o decreto foi revogado. Neste período, a abertura política começava com o encaminhamento da ditadura militar para seu fim. Mas não houve um desenvolvimento imediato para o futebol feminino no País.

“O nosso ‘legado da Copa’ é o legado do decreto”, ironiza Bonfim, ao classificar que, ainda hoje, existem efeitos práticos da proibição que impedem o desenvolvimento do futebol feminino no Brasil, como o apagamento histórico.

“Existem mulheres que ousaram em vários âmbitos sociais, e o futebol é só mais um deles. A eficiência dele [do decreto] é nesse nível: de uma efetiva naturalização de que o futebol não é um esporte próprio para as mulheres e de que nunca foi, de que não temos História. Poucos sabem sobre a proibição.”

Segundo Bonfim, antes da proibição – por volta da década de 30 – há relatos sobre a presença feminina nos campos e nas arquibancadas, onde grupos de mulheres também se organizavam para torcerem juntas. “Já era uma ousadia usar sua melhor roupa para assistir a uma partida pública.”

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